domingo, 15 de janeiro de 2017

A Vida de Pi (2012)



Pi, em termos matemáticos, representa a relação entre o perímetro de uma circunferência e o seu diâmetro e é, habitualmente, associado ao valor de 3,14. No entanto - e matemática à parte - Ang Lee apresenta-nos um poema neste seu novo trabalho cinematográfico: «A Vida de Pi» é um colosso visual, sonoro e narrativo, um festim para os sentidos e um regalo para a alma. O realizador de Taiwan já tinha mostrado a sua fibra em títulos como «O Segredo de Brokeback Mountain» ou «O Tigre e o Dragão», mas, desta vez, Ang Lee deu tudo por tudo e fabricou uma obra-prima a partir do best-seller de Yann Martel.

Com ou sem 3-D, assistimos a uma experiência cinematográfica ímpar. Não é de espantar que este objecto artístico tenha ganho quatro das categorias para as quais estava nomeado nos Óscares: melhor realizador (para Ang Lee), melhor fotografia, melhores efeitos visuais e melhor banda sonora original. E não seria injusto acrescentar o Óscar de melhor filme.

Piscine Patel, ou simplesmente Pi, é um jovem que vive com a família (os pais e um irmão), detentora de um jardim zoológico, numa região francesa da Índia. À medida que vai crescendo, Pi aprende – nem sempre da maneira mais agradável - que, no reino animal, nada é um mar de rosas, ensinamentos que o pai lhe inculca desde cedo e que se vão revelar úteis na odisseia que espera o jovem. Chega então o dia em que o patriarca anuncia ao resto da família que a respectiva situação financeira não está famosa e terão de se mudar para o Canadá com os animais do zoo, em busca de uma nova vida. Porém, a meio da viagem de barco, o inesperado acontece e há um naufrágio do qual se salvam, basicamente, só Pi e um tigre de Bengala feroz chamado Richard Parker (o porquê do nome do tigre é hilariante). Durante uma boa parte do filme assistimos à relação entre o adolescente e o animal num bote salva vidas, mas quem julga que há aqui laços de ternura entre homem/besta, desengane-se: um tigre é um tigre, na selva ou no mar.

A fotografia é indubitavelmente assombrosa, com um leque de cores rico e um contraste bem realçado. Suraj Sharma, o actor que dá vida a Pi, revela-se brilhante na alternância entre a candura juvenil e a bravura a que é obrigado a recorrer, dada a situação. O tigre é um triunfo dos efeitos gerados por computador e uma mostra do quão longe se consegue chegar actualmente na recriação da realidade; poucas são as vezes em que se nota que o mesmo é digital. O final do filme oferece uma revelação que lhe confere um maior realismo mas que em nada estraga a beleza poética do que vimos antes. Em suma, «A Vida de Pi» é um tratado sobre a fé e crença humanas, tanto em Deus (abordado sob o ponto de vista de várias religiões) como nas nossas próprias forças interiores.

Nota: 4,5/5

Desejo-vos muitos e bons filmes. 

A Gaiola Dourada (2013)




A estreia de Ruben Alves na realização, «A Gaiola Dourada», é, já desde há algum tempo, um fenómeno de audiências, tanto em França como em Portugal, tendo superado largamente as expectativas da equipa responsável pela sua concretização. E trata-se, efectivamente, de uma bela surpresa, num panorama cinematográfico repleto de histórias de super-heróis e demais blockbusters de orçamentos incomensuráveis, efeitos portentosos e acção trepidante (cada vez mais cansativos).

E todo o hype em torno do filme se justifica plenamente: com poucos recursos mas munido de uma narrativa emocional com excelentes momentos de sátira a um povo e a um grupo em específico – os portugueses emigrados em França e as respectivas proles, Ruben Alves conta-nos a história de um casal emigrante (Joaquim de Almeida e Rita Blanco), ele pedreiro e ela porteira, emigrados há cerca de 30 anos em Paris, cuja rotina pouco ou nada mudou desde que emigraram, até ao dia em que herdam uma quinta em Portugal, na zona do Douro. A partir daí, o casal é confrontado com a dúvida entre regressar à terra natal para administrar a quinta ou continuar a viver a rotina diária junto daqueles (filhos, irmãos e patrões) que já não conseguem abdicar dos seus serviços.

Ruben Alves desenha aqui um retrato magnífico do que é ser português numa comunidade estranha: o fado, o futebol, a subserviência às entidades patronais, a mistura de língua francesa e portuguesa no decurso de uma conversa (com a proverbial predominância do calão em português) são tiques que não passam ao lado do realizador, mostrando que este é um conhecedor profundo da realidade que aborda, ou não fosse ele próprio luso descendente. Temos aqui traçado, inúmeras vezes de forma caricatural mas sempre com um pé assente na realidade, o perfil do típico casal de emigrantes e os confrontos geracionais com os respectivos descendentes derivados do facto de estes terem já nascido em França num contexto social mais favorável, ao contrário dos pais, subservientes e arreigados ao país de origem.

Ruben Alves é exímio na maneira como funde comédia de linguagem e situação (os mexericos e tentativas desesperadas de manipular o casal protagonista para permanecer em Paris) com momentos de intensidade dramática (os complexos de inferioridade que são transmitidos de pais para filhos, bem patentes na relação da filha do casal com o filho dos patrões do pai). Rita Blanco e Joaquim de Almeida mostram o quão bons actores são, enquanto que o restante elenco parece ter sido escolhido a dedo para enaltecer a história (Maria Vieira está fenomenal como a empregada manhosa e coscuvilheira). Apesar de ser um filme leve, retrata bem a realidade sócio-económica de um grupo populacional muitas vezes tratado de forma injusta quer no país de origem quer no estrangeiro.

Nota: 4/5


Desejo-vos muitos e bons filmes.    

sábado, 14 de janeiro de 2017

Rogue One: Uma História de Star Wars (2016)



Desde que a Disney adquiriu a Lucasfilm, tem prometido ao mundo que os novos filmes do universo Star Wars não se iriam cingir às trilogias oficiais. Neste contexto surge, então, o primeiro filme não enquadrado numa trilogia criada ou em curso (“The Force Awakens” do ano passado é o primeiro episódio de uma nova trilogia que vai do ep. VII ao IX). “Rogue One” relata os acontecimentos imediatamente anteriores à história de “Uma Nova Esperança”, o ep. IV, e o primeiro filme alguma vez a ser feito desta saga, e que se traduzem no esforço realizado por uma equipa de rebeldes para capturar os planos da famosa Estrela da Morte de forma a destruir esta estação espacial arrasadora de planetas.

Seria de esperar, portanto, um episódio solto, sem grandes amarras aos outros filmes da saga. Mas “Rogue One” está longe de ser um filme isolado: não só a narrativa se prende à de “Uma Nova Esperança” como há um sem número de referências a vários dos filmes do Star Wars (caras conhecidas que aparecem e, por vezes, se demoram, durante o percurso do filme. A maior das referências e – convenhamos, a que os fãs mais desejavam – é a aparição de Darth Vader, o vilão por excelência da saga. Mas, para além deste, temos a própria aparição da Estrela da Morte como um espectro fatal a patrulhar as galáxias e até do Grand Moff Tarkin, almirante que domina uma boa parte de “Uma Nova Esperança”. Neste caso, dado que o actor que dava corpo a esta personagem já faleceu há cerca de 20 anos, o realizador Gareth Edwards (Monsters - Zona Interdita, Godzilla) optou por digitalizar o actor tal como aparecia no primeiro filme e pô-lo a interagir com personagens de carne e osso. O mesmo foi feito no final do filme com Carrie Fisher, a princesa Leia, que após digitalização de rosto e corpo nos surge numa versão rejuvenescida, igual à imagem que tinha no ep. IV.

Quantos aos novos actores, todos cumprem bem os seus papéis, ajudando sem dificuldade a transportar-nos para o mundo de Star Wars de onde só saímos após os créditos finais (graças à potente banda sonora que, apesar de não ser da partitura do célebre John Williams, está bem entregue a Michael Giacchino). Particularmente bem está a personagem de Ben Mendelsohn, o carismático Director Orson Krennic, a mostrar o porquê de ser temido por uns e odiado por outros. Este é um actor veterano com créditos firmados mas a ter em conta em futuros trabalhos. É verdade que as personagens poderiam ter sido mais profundadas como se tem argumentado, mas num só filme com tanta coisa por contar, algo teria de ficar para trás. De resto, o universo Star Wars nunca primou por ter personagens ultra dimensionais (alguém conhece os antecedentes de Han Solo?)

A primeira parte do filme pode causar alguma confusão ao espectador porque a acção está constantemente a saltar de planeta para planeta mas depressa se apanha o fio à meada. O final pode não ser do agrado de todos, mas visto que as novas personagens nunca mais são referidas em filmes posteriores, era de esperar que todas perecessem. É um final lógico e longe de empregar a solução tipicamente Disney em que tudo acaba sempre bem (o final de “O Despertar da Força” com a rapariguinha aprendiz de Jedi a derrotar o vilão todo poderoso é ridículo e deixou um amargo de boca bem maior). 

E depois temos aquela cena final, quase antes dos créditos em que vemos Darth Vader em topo de forma a dar cabo dos rebeldes, encurralados, só com a ajuda do seu sabre de luz e de uns quantos truques que a Força lhe ensinou. É a cereja no topo do bolo para qualquer fã que se preze!

Nota: 5/5


Desejo-vos muitos e bons filmes. 

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

O Hobbit: Uma Viagem Inesperada (2012)




E finalmente chega-nos o tão aguardado filme baseado no primeiro livro de J.R.R. Tolkien sobre a Terra Média. «O Hobbit: Uma Viagem Inesperada» é a brilhante adaptação cinematográfica das aventuras de Bilbo Baggins na terra da fantasia pela mão de Peter Jackson, o mago que tão bem soube transpor a trilogia de «O Senhor dos Anéis» para o cinema. E Peter Jackson mantém o padrão de qualidade, com uma história centrada nos acontecimentos que precedem a demanda do anel e que, de várias formas, darão origem à mesma. Nos próximos dois anos, mais dois filmes virão, dando continuação à história narrada neste primeiro tomo. Se na trilogia anterior havia o problema de faltar espaço para incluir todo o conteúdo dos livros, o desafio passa, agora, por ampliar a história de um único livro de modo a conseguir realizar três filmes em torno do mesmo. Nos próximos dois anos saberemos se a jornada será levada a bom porto.

Debruçando-nos, para já, sobre este primeiro filme, poderemos afirmar que até aqui está tudo bem: que magnífico é voltar a ver os lindíssimos cenários naturais da Nova Zelândia e as paisagens ora angelicais ora medonhas, reencontrar algumas das personagens que já fazem parte do imaginário popular (os feiticeiros Gandalf e Saruman, Lord Elrond, Lady Galadriel e sobretudo a criatura Gollum) e conhecer um pouco mais deste mundo tão complexo e intrincado criado pela mente de um escritor tão prolífico.

Neste filme, passado 60 anos antes dos eventos de «O Senhor dos Anéis», Gandalf chega ao Shire (país dos hobbits) acompanhado por treze peculiares anões e tenta convencer Bilbo Baggins a juntar-se ao grupo para uma demanda rumo à distante Montanha Solitária, lugar repleto de riquezas, outrora residência dos anões, e que foi ocupado por Smaug, um dragão gigante particularmente tenebroso, adormecido há séculos no interior da montanha. A intenção dos anões é recuperar o que é seu e derrotar o poderoso Smaug. Apesar de grandemente relutante a início, Bilbo cede e embarca na jornada que irá mudar para sempre a sua vida.    

Apesar de «O Hobbit» não se tratar de uma história tão negra como «O Senhor dos Anéis», também dificilmente pode ser considerada infantil (ao contrário de «As Crónicas de Nárnia», por exemplo), pois contém demasiado “perfume de trevas”. Há criaturas grotescas e sinistras à espreita em cada esquina, desde um obtuso grupo de Trolls até um Orc Pálido montado num Warg com o dobro do tamanho de um lobo, passando por um Necromante, um espectro que ameaça voltar ao mundo dos vivos.

Martin Freeman revelou-se uma excelente escolha para interpretar o hobbit Bilbo, na medida em que soube conferir à personagem o misto de nervosismo, manha e orgulho que esta requer. Bilbo é um hobbit diferente de Frodo, mais engraçado e curioso, mas igualmente corajoso e astuto em situações adversas, como podemos verificar na cena da gruta em que joga às adivinhas com Gollum – de resto, a melhor cena de toda a saga. 

As críticas vão-se dividir em relação a esta nova trilogia: há quem ache que Hollywood está a tentar explorar todo o filão de ouro à sua disposição (o que não deixa de ser verdade), mas há que lembrar que foi aqui que tudo começou... com uma viagem inesperada.

Nota: 4/5


Desejo-vos muitos e bons filmes. 

O Hobbit: A Desolação de Smaug (2013)




Mais uma quadra natalícia, mais um filme “made in” Terra Média (também conhecida como Nova Zelândia). «O Hobbit: A Desolação de Smaug» é o segundo tomo das aventuras do pequeno hobbit Bilbo Baggins, juntamente com o feiticeiro Gandalf e treze ferozes anões liderados pelo carismático Thorin Escudo-de-Carvalho. Por entre as deliciosas paisagens imaginadas por J.R.R. Tolkien e trazidas à vida por Peter Jackson, esta irmandade prossegue a sua jornada em direcção ao reino de Erebor, a Montanha Solitária tomada várias décadas antes por um tenebroso dragão gigante chamado Smaug.

«O Hobbit: A Desolação de Smaug» entretém de forma competente e tem excelentes efeitos especiais, mas apresenta um enredo cheio de buracos – um filme deve obedecer à lógica que impõe aos espectadores e neste filme, em particular nas cenas com o dragão, essa mesma lógica é constantemente distorcida (se Smaug consegue detectar Bilbo através do olfacto, mesmo quando este está invisível, porque razão não consegue, mais tarde, encontrá-lo e ao grupo de anões que a ele se juntam na montanha?) No final, ficamos com a ideia de que o dragão é mais presunçoso do que perigoso (e é verdade que fala pelos cotovelos!) e nem a expectativa de o mesmo poder vir a dizimar a Cidade do Lago no próximo filme nos faz estremecer. Por outro lado, a teimosia em querer ligar esta trilogia à de «O Senhor dos Anéis» desvaloriza a narrativa central.

Em suma, este capítulo possui vários dos mesmos trunfos que o filme anterior e a trilogia de «O Senhor dos Anéis» tinham, mas obedece cada vez mais à lógica de um jogo de computador em que os heróis saltam de um nível para o seguinte. Apesar de alguns bons momentos na parte da representação, não houve muita preocupação em contar uma história do ponto de vista das personagens (até Bilbo é relegado para segundo plano em boa parte do filme). As cenas de acção impossível sucedem-se (a da matança de orcs no rio, dentro de barris, é o melhor exemplo) e fazem com que todos os vilões pareçam anedóticos, tal é a quantidade de vezes em que são vencidos. Peter Jackson está aos poucos a aproximar-se de George Lucas na realização de épicos de fantasia, e isso não augura nada de bom... 

Nota: 3/5


Desejo-vos muitos e bons filmes. 

Godzilla (2014)




Gareth Edwards trouxe-nos um filme de monstros invulgar com «Monsters – Zona Interdita» em que, mais do que os efeitos especiais – poucos mas bons – e a destruição massiva, contava a relação entre o casal protagonista e a sua jornada por dentro de um mundo dominado pelo medo de a qualquer momento virem a deparar com "algo". Com este objecto cinematográfico, o realizador conseguiu conquistar o apreço do público e dos críticos, o que lhe permitiu entrar em Hollywood pela porta da frente: foi-lhe confiada a árdua tarefa de revitalizar um dos monstros mais emblemáticos dos últimos 60 anos, Gojira, ou como é conhecido no Ocidente, Godzilla.

A abordagem que o realizador faz da história do monstro produzido por meio de detritos radioactivos é original e afasta-se – felizmente – do filme quase desastroso que Roland Emmerich fez sobre a criatura em 98. No entanto, o «Godzilla» de Edwards acaba por ser uma relativa desilusão face àquilo que esperávamos de alguém que cresceu a ver filmes de monstros e que se estreou de forma tão auspiciosa. Apesar das boas intenções, esta não é ainda a homenagem que um dos monstros mais conhecidos do mundo merece.

«Godzilla» tem um excelente elenco, com o icónico Bryan Cranston  (da famosa série "Breaking Bad") num dos papéis principais e Aaron Taylor-Johnson, que já mostrou noutros filmes (especialmente no deliciosamente pérfido «Kick-Ass») as suas qualidades como actor, a protagonizá-lo. Contudo, é precisamente quando este actor tem de carregar sozinho o filme às costas que notamos o peso que lhe foi colocado: Taylor-Johnson limita-se a cumprir a sua função, não marcando pela positiva. Juliette Binoche tem uma breve aparição, mas o seu papel é curto demais para merecer especial menção. Ken Watanabe é um cientista à deriva com uma crise existencial sobre o homem versus natureza e David Strathairn também não tem um papel à altura do seu talento.

Além do colossal Godzilla – maior aqui do que em qualquer filme feito anteriormente – que recupera, em grande parte, a fisionomia dos filmes nipónicos, existem outras criaturas, apelidadas de MUTO, que são os principais criadores de problemas nesta história. O maior problema na integração destas criaturas medonhas é o facto de relegarem o monstro principal para um papel quase secundário, um agente que tem de manter o equilíbrio natural das coisas.

Não faltam os brilhantes efeitos especiais, as lutas titânicas e a destruição de edifícios. Até somos contemplados com uma muito eficaz visão de um salto efectuado por paraquedistas – e este é, efectivamente, o momento de maior tensão do filme, muito graças à banda sonora que o acompanha.

Curiosamente, a narrativa parece basear-se, em parte, numa certa série de animação dos anos 80 em que Godzilla tinha como missão lutar com monstros malignos para salvar a humanidade e tinha um parente chamado Godzooky...

«Godzilla» vê-se com agrado mas fica a sensação de faltar qualquer coisa para termos uma verdadeira obra prima.

Nota: 3,5/5


Desejo-vos muitos e bons filmes.

Gravidade (2013)





Alfonso Cuarón traz-nos um prodígio técnico com «Gravidade»: visualmente este é um dos melhores filmes alguma vez estreados no cinema (sobretudo em 3D e – não tenho dúvidas – em formato IMAX) e um que provavelmente vai redefinir os paradigmas do cinema passado no espaço dos próximos anos. Cuarón consegue a proeza de iniciar o filme com um plano de quase quinze minutos, sem um único corte, em que vemos o telescópio espacial Hubble a orbitar a Terra e, em torno deste, George Clooney a flutuar incessantemente – qual satélite - enquanto conta histórias à base na Terra (Houston, pois claro) e Sandra Bullock agarrada a um braço do telescópio a fazer uma reparação. Clooney é um astronauta veterano em vias de completar a sua última missão, ao passo que Bullock é uma cientista na sua primeira jornada espacial.

O resto do filme segue esta tendência para conter planos duradouros (na linha do que o realizador fez no seu filme anterior «Os Filhos do Homem»), giratórios, como se o próprio espectador fosse posto à deriva no espaço. Os encantos do filme, porém, terminam na vertente técnica e na beleza da Terra vista do espaço. A história é corriqueira, sabendo-se já que os dois astronautas ficam à deriva no espaço com poucas possibilidades de salvação. Ao cabo de uma hora, torna-se maçador ver os actores escapar de um perigo para logo se depararem com outro - ainda por cima, todos eles altamente improváveis, senão mesmo impossíveis (fazer uma caminhada no espaço, neste filme, equivale a dar um passeio no jardim de casa). Ainda por cima, a inclusão de alguns momentos espirituais fazem com que o filme se torne mais recheado de clichés. E este é um filme pejado de clichés! Como se tal não bastasse, (SPOILER) George Clooney sai de cena demasiado cedo, deixando o filme às costas de Sandra Bullock. Felizmente a actriz (que tem aqui o seu melhor papel desde o longínquo «A Rede») consegue tornar credível a sua personagem e incutir-nos o medo de estar só em pleno espaço, providenciando até um dos momentos mais divertidos do filme, em que, julgando-se perdida, desata a ladrar em resposta a um cão que ouve no rádio da Estação Espacial Chinesa onde, a dada altura, consegue chegar.

Efeitos visuais e sonoros vanguardistas mas, no todo, não é mais do que um objecto experimentalista ambicioso.

Nota: 3,5/5


Desejo-vos muitos e bons filmes. 

A Origem (2010)




Excelente thriller psicológico de Christopher Nolan, um dos realizadores mais imaginativos no que toca à construção de blockbusters cerebrais. Depois de nos trazer aquele que é considerado um dos melhores filmes da saga do Batman, «O Cavaleiro das Trevas», Nolan surge com uma nova proposta: «A Origem» é um filme grandioso, cheio de efeitos especiais suculentos - cenas como a cidade a dobrar-se, as lutas com ausência de gravidade e os prédios a ruir à beira mar são disso exemplo - sem que, no entanto, estes ofusquem a história ou as emoções das personagens.

Encontramos aqui ecos de outros filmes que também abordam a dicotomia realidade/sonho como é o caso de «Matrix», «O Despertar da Mente», ou o «eXistenZ» de David Cronenberg; e até há um certo paralelismo com os filmes do James Bond nas cenas de acção (sobretudo as perseguições na neve). «A Origem» tem, contudo, um enredo próprio bastante imaginativo. Não é um filme fácil e, portanto, necessita da máxima atenção do espectador para compreender o que se está a passar e por que razão somos catapultados para diferentes níveis de sonho cada vez mais profundos e com cenários diversificados.

Todo o elenco é bom, mas o destaque vai para Leonardo DiCaprio no papel de hábil manipulador de sonhos e Marion Cottilard enquanto projecção perigosa do subconsciente da personagem de DiCaprio. É interessante acompanhar os acontecimentos que marcaram a relação destas duas personagens à medida que o filme se vai desenrolando diante dos nossos olhos. Este magnífico par consegue tornar um filme bombástico numa obra intimista com representações assombrosas.

Nota: 5/5

Desejo-vos muitos e bons filmes. 

terça-feira, 10 de janeiro de 2017

A Mulher de Negro (2012)


A lendária produtora Hammer, responsável por vários clássicos de terror, traz-nos «A Mulher de Negro» um muito interessante filme de terror psicológico em que impera a atmosfera densa (e tensa) e o negrume da alma humana. Trata-se de um objecto que apela mais à psique do espectador do que aos efeitos especiais de encher o olho (na verdade estes contam-se pelos dedos).  


A história acompanha o jovem advogado Arthur Kipps (Daniel Radcliffe) na sua viagem a uma pequena aldeia no noroeste da Inglaterra para negociar a venda de uma mansão recentemente abandonada, situada numa charneca próxima repleta de pântanos sinistros e nevoeiros de cortar à faca. É evidente que cedo vem a descobrir que a velha mansão está assombrada pelo espírito de uma mulher vestida de negro cuja aparição traz o infortúnio junto das crianças da aldeia.

O início do filme é particularmente eficaz, com a visão do suicídio bem sincronizado de três meninas da aldeia, como se de uma espécie de jogo se tratasse. Infelizmente, o final deixa algo a desejar, pois deixa para trás os acontecimentos dramáticos que afectam os aldeões em favor da “redenção” do protagonista.

Daniel Radcliffe - o eterno Harry Potter - não se sai mal na pele do jovem advogado, embora este papel não seja particularmente difícil de representar e, como já aqui foi referido, não se afasta demasiado do universo de Harry Potter, pelo que o actor calcorreia terreno familiar. Ciarán Hinds é mais eficaz no papel de um aldeão instruído que tenta desmistificar os fenómenos paranormais através da razão.

Nota máxima para a recriação de época (princípio do séc. XX), a decoração da mansão assombrada (especialmente o sinistro quarto repleto de brinquedos de corda) e as paisagens alucinantes da charneca. Altamente recomendável.

Nota: 4/5 

Desejo-vos muitos e bons filmes.